domingo, 21 de setembro de 2008

Ex-istencialismo

O ser que constitui o objeto do desejo do para-si é, portanto, um em si que seria para si mesmo seu próprio fundamento. Assim, pode-se dizer que o que torna o projeto fundamental da realidade humana mais bem concebível é que o homem é o ser que projeta ser Deus. E se o homem possui uma compreensão pré-ontológica do ser de Deus, não foram nem os grandes espetáculos da natureza nem o poder da sociedade que lhe conferiram, mas sim Deus representa o limite permanente a partir do qual o homem anuncia a si próprio o que é. Ser homem é tender a ser Deus; ou conforme se prefira, o homem é assediado pelo ideal do "ens causa sui" que as religiões chamam de Deus. Por outras palavras ainda: "Sucede como se o mundo, o homem e o homem-no-mundo só chegassem a realizar um Deus fracassado. Sucede portanto, como se o em-si e o para-si se apresentassem em estado de desintegração em relação a uma síntese ideal.  Não que a integraçao tenha sido efetuada jamais, mas precisamente pelo contrário, porque ela é sempre indicada e sempre impossível". Infelizmente, "a idéia de Deus é contraditória e nós nos perdemos em vão"; o homem é uma paixao inútil. 

Robert G. Olson em Introdução ao Existencialismo, p. 78


É o que eu digo: Somos o universo dando-se conta de sí mesmo.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

O maior experimento da história

Estamos ha algumas horas do fim do mundo como o conhecemos. Às nove horas da manhã do dia 10 de setembro de 2008 (quatro da madruga em sampa), algum sujeito na suiça apertará um botão vermelho para iniciar o funcionamento do maior acelerador de partículas da história. A intenção é simular as condições do universo logo após o Big Bang (se isso mesmo existiu). Existem boatos de que a colisão entre prótons que ocorrerá no interior do LHC (sigla para Large Hardron Collider) será suficiente para criar um buraco negro capaz de engolir a terra toda.

Funciona da seguinte forma: Nos 24 quilômetros de extensão do LHC os cientistas irão acelerar partículas até uma velocidade iminente à da luz, ou seja, quase 300 mil quilômetros por segundo, e à uma temperatura de -271 graus Celcius. Não bastasse esse feito, ainda irão colidir as particulas aceleradas em sentido contrário, causando o choque que espatifará particulas menores para todos os lados. Essas particulas, restos de prótos colididos existem apenas por frações de segundos e os cientistas pretendem observá-las atraves de placas onde elas irão parar logo após a colisão e logo antes de desaparecerem.

Devido a intensidade da colisão, o aparelho irá de fato criar buracos negros, porém tão pequenos e que se fecharão tão rapidamente que não serão capaz de engolir um fio de cabelo sequer. Portanto não há risco de que o mundo como o conhecemos desapareça no sentido literal. Entretanto as revoluções da física e o entendimento que o LHC trará para o conhecimento humano de fato deixarão nosso tempo e e nossa vida na era jurássica assim que as descobertas tragam resultados práticos, o que acontecerá em alguns poucos anos. Entre as pesquisas, a que mais atiça a comunidade científica é a busca por uma partícular chamada Bóson de Higgs ou partícula divina. Segundo cálculos matemáticos essa partícula é a responsável por dar massa à matéria. A confirmação empírica da existencia do Bóson de Higgs, trará avanços para a ciência ainda inimagináveis.

Imagens do Bichano:

o circulo mostra a extensão do aparelho, ha 100 metros de profundidade na fronteira entre França e Suiça

parte do equipamento que impusionará as partículas

parte do detector de particulas onde os cientistas pretendem encontrar o Bóson Higgs
parte dos computadores que analisarão os dados das colisões

Segue um video em inglês explicando como funcionará o bichano:


Tá aí um link para assistir ao vivo a ativação do monstro:
http://webcast.cern.ch/index.html


quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Ser homem ou ser mulher - "Contardo Calligaris"

A anatomia é o destino? Talvez, mas há lugares em que a mulher pode escolher ser homem

NOS ANOS 1960, "descobrimos" que a identidade de cada gênero, masculino, feminino ou outro (há outros, sim), era construída e imposta pela cultura em que vivíamos. Ou seja, nosso sentimento íntimo de ser homem ou mulher dependia dos valores que nos eram transmitidos: "alguém" nos oferecera bonecas ou soldados e nos propusera futebol ou costura.

A descoberta encorajou a militância igualitária, os papéis sociais de homens e mulheres se aproximaram e, enfim, tornou-se possível sentir-se homem e cuidar das crianças ou fazer bordado, e sentir-se mulher e pensar na vida profissional ou entrar no exército. Isso, sem que ninguém se atormentasse com dúvidas excessivas sobre sua identidade viril ou feminina.
Nas últimas décadas, houve um refluxo: hoje, sentir-se homem ou mulher nos parece ser, antes de mais nada, um efeito da diferença biológica entre os sexos.

Talvez seja por causa das próprias mudanças que mencionei acima: as diferenças culturais entre gêneros se tornaram menos relevantes e procuramos outras, mais "sólidas".

Mas muitos dirão que aconteceu o seguinte: os avanços da ciência mostraram que, na constituição das identidades de gênero, hormônios, genes etc. contam mais do que as palavras e os comportamentos. Ou seja, pouco importa que eu vista você de renda ou de farda, você será ou se sentirá homem ou mulher como mandam a química e a física de seu corpo.

Paradoxalmente, essa posição, que pretende ser materialista, parece apostar na separação de corpo e mente, como se um mundo "real" de genes e hormônios existisse separado do da fala e dos atos da gente (que, cá entre nós, não é menos real). Acho mais provável que haja um mundo só, em que interagem fenômenos descritos de jeitos diversos, mas que pertencem a uma única realidade, a nossa, feita de descargas hormonais, obrigações indumentárias e comportamentais, genes, xingões, chapoletadas, neurotransmissores, conselhos, amores e carícias.

Além disso, é bom não esquecer que a primazia atual das explicações "anatômicas" é, por sua vez, um fato cultural. Ela é a evolução esperada da cultura ocidental moderna, que promove, dessa forma, sua melhor idéia: a de uma humanidade comum a todos, além das diferenças culturais. Por exemplo, para justificar a existência de direitos humanos universais, nada melhor do que uma definição da espécie a partir da biologia comum e não das culturas, que divergem.

Seja como for, o clima de hoje sugere que a anatomia seja o destino. Nesse quadro, é bom meditar sobre um extraordinário artigo de Dan Bilefsky, no "New York Times" de 25 de junho (em www.nytimes.com, procurar "Woman as Family Man"). Bilefsky viajou pelas montanhas do norte da Albânia, onde sobrevivem os restos de uma cultura tradicional, regida por um cânon rigoroso que, entre outras coisas, prescreve a vendeta entre famílias, de geração em geração: vocês matam um dos nossos, nós mataremos um dos seus -sendo que só podem matar e ser mortos os homens das respectivas famílias. "Abril Despedaçado", de Ismail Kadaré (Companhia das Letras), dá uma boa idéia do clima local. Quem não leu pode assistir ao filme homônimo, de Walter Salles, que transpôs o romance de Kadaré para o norte do Brasil no começo do século 20.

Pergunta: o que acontecia, numa cultura como essa, quando só sobravam as mulheres de uma família? Pois é, no caso, encorajada pelo fato de que, nessa cultura, ser mulher era especialmente chato, uma virgem, livremente, podia decidir ser homem. Ela cortava o cabelo, vestia-se de homem, carregava faca e arma, sentava-se com os homens e com eles rezava na mesquita, matava e era morta nas vendetas e tornava-se patriarca da família.

Belefsky encontrou e fotografou várias mulheres-homens, na faixa dos 80 anos, mulheres que, 60 anos atrás, virgens, renunciaram à vida sexual e decidiram ser homens. E, de fato, sentiram-se e foram homens. Na verdade, ainda são: no pleno exercício de seu patriarcado.

O que assombra nessa história, aliás, não é só a construção cultural do gênero, mas a incrível liberdade que se revelava possível numa sociedade estritamente tradicional (a gente pensa, em geral, que a liberdade de escolha seja coisa exclusivamente nossa).

Queria prestar homenagem a Ruth Cardoso. O jeito foi escrever sobre algo que, onde quer que ela esteja hoje, talvez a interesse.

Artigo de Contardo Calligaris, Psiquiatra, publicado na Folha Ilustrada em 03 de Julho de 2008.

Quem me dera eu escrevesse como esse cara!!!

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Supernova

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

O mundo de Sofia

Finalmente acabei de ler um livro que ensaiava pra ler desde os 14 anos de idade – “O mundo de Sofia” de Jostein Gaarder. O livro é um classico da literatura infanto-juvenil, e o que mais me impressiona: um best seller falando sobre filosofia.

Conta a história do pensamento desde antes da grécia antiga até o início dos anos 90 quando o livro foi então escrito. Mistura a história da filosofia com o as aventuras de uma menina chamada Sofia e seu professor de filosofia.

Vou passar o trecho do texto e link depois. Tá no capítulo 28 que fala sobre os Românticos e sobre o pensamento oposto a esse, de Kierkegaard. Neste capítulo a personagem encontra Alice de “Alice no país das maravilhas” e recebe dela dois vidros contendo em um deles um liquido vermelho e outro um líquido azul. Cada líquido faz com que ela perceba as coisas de maneira diferente, com um vê o mundo de forma mais individual e separada com o outro mais universal, com todas as coisas fazendo parte de uma mesma. Mostra que o entendimento depende do ponto de vista, de como se observa algo, uma coisa sobre a qual conversei ontem com um brother meu.

"Sofia tirou a rolha do vidro vermelho e encostou-o cautelosamente nos lábios. O suco tinha um gosto adocicado e estranho. Mas isto não era tudo. Imediatamente aconteceu algo à sua volta: primeiro, foi como se a imagem do lago, da floresta e da cabana se fundissem numa coisa só. Depois lhe pareceu que tudo o que ela via era apenas uma pessoa e que esta pessoa era ela mesma. Quando finalmente olhou para Alberto, ele também parecia ter se transformado numa parte dela mesma.

— Que coisa estranha — disse ela. — De repente, tudo o que vejo parece estar relacionado. Tenho a sensação de que tudo é apenas uma única consciência.

Alberto concordou com a cabeça, mas Sofia teve a sensação de que era ela mesma quem concordava.

— Isto é o panteísmo, ou a filosofia da unidade — disse Alberto. — É o espírito do mundo dos românticos, que experimentavam tudo como um único e grande “eu”. Mas é também Hegel, que, sem perder o indivíduo totalmente de vista, considerava tudo expressão de uma razão universal.

— Você acha que eu devo beber o líquido do outro vidro?

— É o que está escrito aí.

Sofia tirou a rolha do outro vidro e deu uma boa golada. O líquido azul tinha um gosto mais fresco e mais azedo do que o vermelho. Mas também desta vez tudo à sua volta se transformou de imediato: no mesmo instante passou o efeito do líquido vermelho e tudo voltou ao seu lugar. Alberto voltou a ser Alberto, as árvores da floresta voltaram a ser árvores da floresta e o lago voltou a ser lago. Mas isto também durou apenas um segundo, e então tudo o que Sofia via começou a se desmanchar. Para começar, a floresta deixou de ser floresta; era como se, de repente, a menor das árvores fosse um mundo em si, cada galho uma aventura sobre a qual podiam ser contados milhares de contos de fadas. O pequeno lago transformou-se para ela num oceano infinito, não porque fosse grande e profundo, mas por causa de seus milhares de detalhes cintilantes e por suas ondas de formas e tamanhos fascinantes. Sofia entendeu que poderia ficar observando este pequeno lago pelo resto de sua vida e ainda assim ele continuaria sendo um mistério indecifrável para ela.

Sofia olhou, então, para a copa de uma árvore. Ali, três pardais estavam entretidos numa brincadeira divertida. Eles já tinham pousado na árvore antes de Sofia beber o líquido vermelho, mas só agora é que ela realmente os tinha percebido. O líquido vermelho, que ela bebera da primeira vez, apagara todos os contrastes e todas as diferenças individuais.

Sofia levantou-se do degrau de pedra em que estava sentada, ajoelhou-se e observou a grama. E ali também encontrou um mundo à parte, mais ou menos como se tivesse dado um mergulho e abrisse os olhos pela primeira vez no fundo do mar. Entre os ramos e as folhinhas da grama, milhares de formas de vida movimentavam-se febrilmente. Sofia viu uma aranha que se movia segura e energicamente sobre o musgo, um pulgão subindo e descendo por um raminho de grama e um pequeno exército de formigas trabalhando em conjunto. E mesmo entre as formigas, cada uma tinha o seu jeito particular de levantar as pernas.

O mais curioso de tudo, porém, foi quando Sofia se levantou novamente e olhou para Alberto, que continuava de pé à soleira da porta. De repente ela viu nele um ser completamente fora do comum, uma espécie de homem de outro planeta, ou uma personagem saída de um conto de fadas diferente daquele que ela vivia no momento. Ao mesmo tempo, ela também se percebeu a si mesma de uma maneira completamente diferente; ela era uma pessoa especial, extraordinária, não apenas uma pessoa comum, não apenas uma jovem de quinze anos: ela era Sofia Amundsen e só ela era assim!

— O que você está vendo? — perguntou Alberto.

— Vejo que você é um pássaro muito esquisito.

— É mesmo?

— Acho que nunca vou entender como é ser outra pessoa. Não há duas pessoas iguais em todo o mundo.

— E a floresta?

— Ela não parece mais ser a mesma. Ela é como um universo de muitos contos fantásticos.

— Foi o que pensei. O vidro azul é o individualismo. Ele foi a reação de Søren Kierkegaard à filosofia da unidade do Romantismo. E não foi por acaso que o escritor de contos fantásticos Hans Christian Andersen foi contemporâneo de Kierkegaard. Ele tinha o mesmo olhar aguçado para a infinita riqueza de detalhes da natureza. Cem anos antes, este mesmo olhar já havia estado presente em Leibniz, que reagiu à filosofia da unidade de Spinoza do mesmo modo como Kierkegaard reagiu à de Hegel.

— Estou ouvindo o que você diz, mas você me parece tão estranho que tenho de me esforçar para não rir.

— Entendo. Então beba mais um golinho do vidro vermelho. Vamos nos sentar aqui na escada da entrada. Ainda temos de falar alguma coisa sobre Kierkegaard antes de terminarmos nosso encontro de hoje.

Sentaram-se e Sofia bebeu um golinho do vidro vermelho. No mesmo instante as coisas dispersas voltaram a se concentrar, só que um pouco demais, pois Sofia sentiu novamente que as diferenças haviam deixado de ser importantes. Tocou os lábios rapidamente no gargalo do frasco azul e o mundo ficou mais ou menos como era antes de Alice chegar trazendo aqueles frascos com líquidos estranhos.

— Mas qual é verdadeiro? — perguntou Sofia. — É o líquido vermelho ou o azul que nos permite experimentar o mundo como realmente ele é?

— Ambos, Sofia."

Dá até pra ler o livro inteiro aí:
http://br.geocities.com/mcrost08/o_mundo_de_sofia_28.htm

Agora vou nessa.. tenho outro livro pra ler, Introdução ao Existencialismo, quando terminar posto alguma coisa aqui! Até!

A Psiquiatria, a Antropologia e o Profeta Candango

A classificação diagnóstica em psiquiatria sempre tem sido um desafio para a ciência médica. Justamente pelo fato de a psiquiatria envolver não só a biologia e a cultura no entendimento de suas doenças é que torna essa tarefa complicada.

Classificar como doença as formas de pensar e ser no mundo que fogem a padrões culturais é o que se tem feito desde a criação do DSM e CID. Por isso, pessoalmente acho mais interessante o conceito fenomenológico de doença mental, que como escrevi no post “O Dasein e o meu cachorro”, envolve a liberdade de escolha individual. Não que concorde plenamente, apenas me parece o mais adequado.

Achei um interessante artigo de antropologia da religião realizado por Luanna Barbosa e José Bizerril da Universidade de Brasília.

Diante da opção única de classificar o sujeito, objeto de estudo, apenas em critérios vagos de diagnóstico psiquiatrico, os autores expõem a fragilidade dos sistemas de classificação e a tendência dos mesmos em marginalizar o que é culturalmente diferente.

Por um momento cheguei a pensar que Luana e José tentariam mistificar o sujeito objeto do estudo, entretanto mostram justamente a dificuldade em se compreender e determinar a tênue divisão da interconexão espiritualidade, piscopatologia e construção social da loucura.

http://scielo.bvs-psi.org.br/scielo.php?pid=S1679-44272006000100008&script=sci_arttext